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Descia pela rua, mineiros enlameados, com os olhos cobertos por terra, fardas feitas de restos de ferro e pedaços tão pequenos de ouro que estes se faziam imperceptíveis. Eram toupeiras, tatus, formigas...
Caminhavam com as picaretas nas mãos, guiados pelo sol que se misturava a terra e suor e os tornavam cegos, desciam esfomeados e abriam alas como quem faz túneis.
Do outro lado, religiosos, iam de branco, voando feito andorinhas em pleno verão, sol quente no rosto, fé no peito, suor, água, lágrimas e iam guiados, cegos, pelas ladeiras da cidade. Cantavam o refrão, vibravam, rufavam os tambores e dançavam a coreografia pelo centro da cidade.
E assim caminhava toda a cidade, cada bloco, cada cordão, cada um, cada dois, cada nós, todos iam cegos, sobre a penúria de um eclipse que se prenunciava. Tantos sonhos, desejos e se juntariam logo adiante.
O clima escurecia e silenciava, faltava pouco para que os blocos se colidissem.
A figura central vestida de terno e gravata era ameaçada por picaretas, rezas , palavrões, sonhos, guitarras, atabaques, tambores... Esta figura então bradava: É Carnaval!!!
O eclipse se completou, a cidade ficou em festa, os mineiros ostentavam todo o ouro que tinham, os religiosos bebiam e dançavam, e eram , agora, parte de algo bem maior.
E se consumiam, se juntavam, separavam, corriam, paravam, sentavam. Era a comunhão, era o único ser...
A cidade amanhecera envenenada de prazer, embriagada e falida. E cada mineiro, cada religioso, cada pessoa, era, agora, muito mais só do que antes, mais cego do que antes...
O homem de gravata olhava da janela mais alta... Gargalhava de prazer, todos aos seus pés, todas a sua cama, pena que o sonho logo iria acabar.
Quarta de cinzas e fim de reinado...