segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Retrato

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Faltava um pouco para que, em fim, conseguisse dormir. Mesmo assim ainda pensava nela e como mágica conseguia a imaginar com uma grande riqueza de detalhes.

Primeiro imaginou seus cabelos que então eram loiros, não eram tão amarelados como um girassol ou como fios de ouro, mesmo assim brilhavam como o sol e dava-lhe um ar muito superior. Seus olhos demonstravam toda a imponência, visava o infinito e simplesmente nada era visto de dentro deles. Seu nariz, sua orelha, sua face em si compactuavam com o silêncio nobre do retrato em perfil. Seus braços demonstravam castidade e deixava-se descoberto um pouco para agradar a imaginação. Na boca estava estampado um sorriso de Monalisa a qual dava um ar, não misterioso, mas intocável ou quem sabe divino a obra.

Mesmo assim aquela obra prima criada na mente era passível de tédio, toda aquela beleza, nobreza, e superioridade eram entediantes. Resolveu então deturpar um pouco a obra.

Agora seus cabelos balançavam e refletiam o sol refletindo, então uma cor tão luminosa que ofuscava a vista apesar de tudo, se via uma flor caindo de dentro deles lentamente. Agora seus olhos brilhavam de desejo e tinha ficado um pouco mais claro, mais complexo e meio que choravam de alegria. Sua face demonstrava toda a curiosidade e desejo, era como o desabrochar de uma bela flor em um pântano. Agora seus braços abriam lentamente e se mostravam sedentos por receber e ofertar carinho, eles pediam apenas um abraço, um toque por um pouco de atenção. Por fim, no seu sorriso estava escrito todo o segredo da felicidade e a boca então implorava pelo toque.

Dessa vez a imagem o satisfazia. Pena que era apenas o desejo dele refletido na imagem, no fim era a vontade dela o amar, assim como ele a ama.

Por mim a fez como deveria ser toda a mulher representada.

A fez com cabelos loiros que agora pareciam uma juba de um leão representando a animosidade e toda a realeza que poderia existir na beleza. Os olhos agora eram profundos, reflexivos e apaixonantes. Seu rosto era delicado e ao mesmo tempo sofrido, mostrava que apesar de nova ela tinha vivido muitas coisas. Enfim ela era o mistério encarnado e ele sentia todo desejo de desvendá-la, tirar todas aquelas sobrecapas e descobrir o que realmente havia por trás de tanto feitiço.

No fim dormiu com um gosto de satisfação por ter conseguido materializar seu desejo, um tanto espiritual, em uma imagem que vagarosamente ele caminhava em direção.

Por SORTE, ele a encontraria e falaria de todas as vezes que a tentou imaginar. E estariam juntos outras vezes, porque em outra vida, outro lugar ou em qualquer outra situação teriam ficado juntos. Ou como explicaria todo aquele amor latente, eminente e explosivo?

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Encontro

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Encontro

Mais uma vez eu tinha acordado e não consegui me mexer. Às vezes, em lampejos de consciência desejava a morte. Na verdade, eu não tinha acordado. Estava em algum estado de subconsciência bastante pavoroso.

O quarto tinha ficado branco. Os poucos móveis tinham sumido e o pequeno espaço bastante limitado que não caberiam três pessoas se tornará outra paisagem. Agora o ambiente era maior. Mesmo assim, o horizonte era tão branco que dava a impressão que estava preso em um cubículo.

Não havia outras pessoas. A respiração era bastante difícil e por mais que se tentasse era impossível acordar. Aos poucos, aconteceu a adaptação. Depois de certo tempo, era possível respirar e começou a surgir a curiosidade de conhecer o lugar.

Quando pensei naquele universo branco e no que poderia conter nele, conseguir me manter de pé. Andar era difícil, ainda não era possível distinguir o que era realidade daquilo que era sonho, mas a busca pelo novo me fez ser encontrado por pássaros.

Não saberia dizer qual a raça, espécie ou qualquer outra coisa sobre eles. Pararam um pouco adiante e, como uma orquestra, começaram a executar uma bela e conhecida canção. Quando me dei conta de qual musica era, espantado e um pouco feliz por ter encontrado algo familiar exclamei:

-Wonderwall!!!

Engraçado, eu não fui a única pessoa a ouvir. Pela primeira vez, notei a presença de alguma pessoa. Era um velhinho que ao mesmo tempo tinha exclamado o nome da música. Ele já devia ter certa idade avançada. Ficava assobiando como se tentasse aprender com a maestria dos pássaros e, como pagamento, jogava alpiste para eles.

Era uma cena meio patética. Os pássaros, sabendo que eram superiores à limitação humana do senhor, escolhiam músicas bem complicadas. Mesmo assim, ele continuara tentando imitá-los. E, aos poucos percebendo que o aluno não tinha vocação, os pássaros resolveram ser donos únicos da cena e passaram a rejeitar o alpiste.

O velho, um pouco encabulado, chamou-me para seu lado. Eu, ainda assustado, pensei em ficar ali naquele lugar esperando o sonho acabar, mas fui puxado pela curiosidade e, lentamente, caminhava em direção ao banco, onde o velho tinha acabado de se sentar.

No caminho, passei pelos pássaros, pensei numa música e imaginei como seria ser um bom pássaro.

Quando cheguei ao lado do senhor, percebi que seus olhos refletiam uma grande experiência e o modo como me chamou demonstrava muita serenidade.

Ao sentar do lado dele, me perguntou meu nome, o que fazia, onde estudava e todas essas perguntas básicas. Era como se fosse um teste e logo percebi que as perguntas não cessariam e que aquelas feitas antes não tinham grande importância.

Para distrair o ambiente, ele contou a historia dos pássaros. Disse que os ensinou a cantar e que se orgulhava bastante disso. Ao mesmo tempo, tirou de dentro das mãos outro pássaro novinho, branco como papel. Então, emfim, percebi onde eu estava e quem ele realmente era.

Pedi o direito a fazer uma pergunta e, como um bom cavalheiro, ele me consentiu o direito. Indaguei-o motivo de ensinar os pássaros a cantar, já que ele tão poderoso, porque não os fazia exímios músicos?

Foi então que ele me disse:

-Meu filho, a importância está no aprendizado. Se os fizesse cantores perfeitos eles não teriam motivo para viver. Por isso, lhe fiz assim, para que a vida o ensine a ser como os pássaros, para que aprenda novas canções todos os dias e vibre então com a vitória.

E, para completar comentou:

-Estou torcendo por você e não sou o único.

Foi então que consegui me mexer, acordei da cama e, com o sorriso de vencedor, encarei a vida. E dediquei a ela uma bela melodia todos os dias...

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Muito obrigado Felipe pela correção.
E sorte na vida de todos vocês
e também na minha.

domingo, 8 de agosto de 2010

O açougueiro

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Naquela pacata cidade existia um moreno de mais ou menos 1,80m; cabelo liso, que provavelmente tenha sido adquirido da descendência portuguesa; tinha os dentes todos sãos; se fosse um escravo com certeza teria um grande valor. Era também forte como um touro e ao mesmo tempo ágil como uma lebre.

Destacava-se nos campos de areia onde era um atacante de profissão. Muitos diziam que ele poderia jogar nos grandes times e quem sabe até ir para a Europa. Perto da área ele era um perigo, poderia derrubar os marcadores como um elefante derruba uma árvore. Era agressivo e ágil como um gato do mato e perseguia a bola como um falcão a sua presa.

Voltava para casa após os jogos ferido, sem ar, mas mesmo assim sobrava tempo para namorar as moças da cidade. Ele era sensação entre elas. Sempre estava namorando uma bela garota e ao mesmo tempo estava despedaçando os corações de todas as outras.

Tinha namorado a filha do prefeito, de alguns dos vereadores, dos grandes lojistas. Mas não era só por dinheiro que se encantava. Algumas vezes namorou lavadeiras, costureiras, mulheres da vida e sempre buscava a essência que todo homem sábio procura nas melhores mulheres.

Mas não era o namoro igual ao de hoje, ele era respeitoso e roubar um beijo era sinal de uma noite ganha. E era por isso que enfeitiçava as outras meninas. Todas queriam ser alvo de suas cantadas e serem surpreendidas por belas músicas cantadas sob o som da viola, que ganhou do avô, a luz do luar.

Durante a semana, era um simples açougueiro, profissão que aprendeu com a família. Conhecia as carnes pelo cheiro, pela cor, e tratava com se fossem mulheres. Conhecia o cheiro, o toque, as curvas e como elas deveriam ser tratadas para que lhe dessem o que precisava.

Rapidamente com o machado despedaçava a carne, separava os miúdos e as partes que não serviam para serem deglutidas. E, apesar de toda a brutalidade, havia magia nos movimentos pré-determinados, como se fosse um dança e por isso nunca reclamara do trabalho. Além de todo prazer em estar trabalhando, vendia muito bem.

E ganhava bem mesmo. Às vezes viajava para praias e capitais. E, como uma procissão para um santo, as mulheres o levavam a rodoviárias. Muitas choravam, outras até desmaiavam, mas logo chegando a outras cidades conhecia novas mulheres. E em menos de um mês conhecia todas e conquistava boa parte. E novamente seguia-se a procissão levando-o à rodoviária.

E quando voltava era festa na cidade. Seus companheiros de time se alegravam porque o craque e grande amigo voltara. As moças novas se jubilavam porque podiam contemplar o belo rapaz e as mais antigas apenas pensavam na carne.

Quando mais velho, casado, foi perguntado pelo seu neto como fazer tanto sucesso com as mulheres. Ele falou:

“Cada mulher tem um aroma, um belo som que faz quando está feliz. Vários sorrisos, um para cada finalidade. Ao mesmo tempo, todas tem suas necessidades, seus pontos fracos, suas desconfianças e fraquezas. E tudo que elas pedem é que as descubra, que desnudem seus desejos e fará sucesso entre elas.”

Então surgiu uma nova geração que, ouvindo as palavras do avô, continuaram a fazer sucesso. E por várias vezes durante épocas viram procissões de mulheres atrás dos açougueiros.